A coisa mais importante e é quase um segredo

A coisa mais importante e é quase um segredo

por Nicholas Kristof (tradução: Felipe Neis Araujo)

Nós, jornalistas, somos um pouco como os abutres, nos banqueteamos de guerras, escândalos e desastres. Ligue nos noticiários e você verá refugiados sírios, corrupção na Volkswagen, governos disfuncionais.

Isso reflete, no entanto, o viés sob o qual escolhemos apresentar as notícias: cobrimos quedas de avião, não aviões que decolam. A coisa mais importante que está acontecendo no mundo hoje, na verdade, é algo que quase nunca cobrimos: um declínio impressionante da pobreza, do analfabetismo e das doenças.

Hã? Você deve estar se perguntando o que eu ando fumando! Todos sabem do avanço da guerra, do aumento da AIDS e outras doenças, das dificuldades desesperadoras da pobreza.

Uma pesquisa descobriu que dois terços dos estadunidenses acreditam que a proporção da população mundial que vive em condições de extrema pobreza praticamente dobrou ao longo dos últimos vinte anos. Outros 29% acreditavam que a proporção continuava praticamente a mesma.

Trata-se de 95% dos estadunidenses – que estão profundamente errados. Na verdade a proporção da população mundial vivendo na extrema pobreza não dobrou e nem permaneceu a mesma. Ela caiu mais da metade, de 35% em 1993 para 14% em 2011 (o ano mais recente para o qual existem dados do Banco Mundial).

Se 95% dos estadunidenses estão completamente por fora de uma transformação dessa magnitude isso reflete uma falha no modo como nós, jornalistas, cobrimos o mundo – e eu me incluo entre os culpados. Considere o seguinte:

* O número de pessoas extremamente pobres (que são definidas como aquelas que ganham menos de US$1 ou US$1,25 por dia, dependendo de quem calcula) aumentou de modo implacável até meados do século XX, depois permaneceu praticamente estabilizada por algumas décadas. Desde os anos 1990 o número de pessoas pobres despencou.

* Em 1990 mais de 12 milhões de crianças morreram antes dos 5 anos de idade; este número caiu mais da metade desde então.

* Mais crianças do que nunca têm sido escolarizadas, especialmente meninas. Nos anos 1980 apenas metade das meninas dos países em desenvolvimento completavam a educação básica; agora elas são 80%.

É certo que cerca de 16 mil crianças morrem desnecessariamente todos os dias. É enlouquecedor ver crianças morrerem durante minhas viagens apenas por terem nascido no lugar errado na época errada.

Mas um dos motivos da nossa atual complacência é o sentimento de que a pobreza é inevitável – e isso é injustificável.

O segredo mais bem guardado do mundo é de que estamos vivendo um ponto de inflexão histórica no qual a pobreza extrema está recuando. Membros das Nações Unidas recentemente adotaram 17 novas Metas Globais das quais a principal é a eliminação da extrema pobreza até 2030. São metas históricas. Ainda haverá pessoas pobres, é claro, mas pouquíssimas delas serão pobres demais pra comer ou pra mandar os filhos pra escola. Os jornalistas e funcionários de ajuda humanitária jovens que estão começando suas carreiras hoje irão ver muito pouco da lepra, do analfabetismo, da elefantíase e da oncocercose que eu vi regularmente.

“Vivemos a época de maior progresso do desenvolvimento entre as pessoas pobres a nível global na história do mundo”, observa Steven Radelet, economista do desenvolvimento e professor na Georgetown University, num livro sensácional que será lançado em Novembro, “A grande onda: a ascenção do Mundo em Desenvolvimento” (em tradução livre).

“A pr´oximas duas décadas podem ser ainda melhores e podem tornar-se a maior era de progresso para as pessoas pobres do mundo na história da humanidade”, escreve Radelet.

Eu escrevo frequentemente sobre desigualdades, um imenso desafio para os Estados Unidos. Mas, a nível global, a desigualdade está diminuindo por conta da ascenção dos países pobres.

O que isso tudo significa em termos humanos? Eu pensava nisso semana passada enquanto entrevistava Malala Yousafzai, a adolescente que ganhou o Prêmio Nobel da Paz. A mãe de Malala cresceu analfabeta, como as mulheres antes dela, e foi criada para ser invisível para os estranhos [outsiders, no original]. Malala é um contraste total: instruída, arrojada, sem rodeios e talvez a garota adolescente mais visível do mundo.

Mesmo em países como o Paquistão a época de mulheres analfabetas e invisíveis como a mãe de Malala está se extinguindo; a época de Malala está alvorecendo. O desafio agora é garantir que as nações ricas doadoras sejam generosas no apoio às Metas Globais – mas garantir também que os países pobres façam a sua parte, ao invés de sucumbir à corrupção e à ineficiência. (Eu estou falando com você, Angola!)

Há ainda um último falso argumento a derrubar. Os cínicos argumentam que salvar vidas não tem sentido pois o resultado é a superpopulação que leva mais pessoas a passar fome. Não é verdade. Parte dessa onda de progresso é a queda impressionante na taxa de natalidade.

As mulheres haitianas têm em média, hoje, 3,1 filhos; em 1985 elas tinham em média 6. Em Bangladesh as mulheres têm agora uma média de 2,2 filhos. As indonédias, 2,3. Quando as pessoas pobres sabem que seus filhos vão sobreviver, quando elas instruem suas filhas, quando têm acesso a planejamento familiar, elas têm menos filhos.

Então vamos ao trabalho e, sob nossa responsabilidade, vamos acabar com a pobreza extrema ao redor do mundo. Nós sabemos que os desafios são superáveis – porque já viramos a maré da história.

(Este texto apareceu originalmente em http://www.nytimes.com/2015/10/01/opinion/nicholas-kristof-the-most-important-thing-and-its-almost-a-secret.html)

Anotações sobre livro: The Cognitive Surplus

“Também é fácil assumir que o mundo como ele existe atualmente representa algum tipo de expressão ideal da sociedade e que qualquer desvio dessa sagrada tradição é ao mesmo tempo chocante e mal. Apesar da internet ter quarenta anos e a “web” metade disso, algumas pessoas ainda ficam surpresas que membros individuais da sociedade, anteriormente felizes em gastar a maior parte do seu tempo livre consumindo, comecem a voluntariamente criar e compartilhar coisas.

Mas o puro consumo de mídias nunca foi uma tradição sagrada; isso foi apenas um conjunto de acidentes acumulados, acidentes que estão sendo desfeitos conforme as pessoas escolhem novas ferramentas de comunicação para fazer o que a velha mídia simplesmente não conseguia”

Clay Shirky – The Cognitive Surplus